quarta-feira, 7 de outubro de 2009
Á lágrima
Oh!Lágrima cristalina,
tão salgada e pequenina,
quanta dor tú não redimes!
Mesmo feita de amargura,
és tão sublime, tão pura.
Que só virtudes esprimes.
Ao coração torturado,
pela saldade magoado.
Pelo destino cruel,
Tú és a pérola linda,
do rosário que não finda,
feita de tortura e fel.
Tempo.
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Entras na morte,
como se entra em casa,
desvestindo a carne,
pondo teus chinelos
e pijama velho.
Entras na morte,
como alguém que parte
para uma viagem:
não se sabe o norte
mas começa agora.
Entras na morte,
sem escuros,
sem punhais ocultos
sob o teu orgulho.
Entras na morte,
limpo
de cuidados breves;
como alguém que dorme
na varanda enorme,
entras na morte.
Xi
Roseana Murray
Ternura
Convite
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
José Guilherme de Araújo Jorge
Liberdade
A liberdade é o meu clarim de guerra
e eu sou, no meu viver amplo e sem véus,
como os caminhos soltos pela terra,
como os pássaros livres pelos céus.
Ela é o sol dos caminhos ! Ela é o ar
que os enche os pulmões, é o movimento,
traz num corpo irrequieto como o mar
uma alma errante e boêmia como o vento.
Minha crença, meu Deus, minha bandeira,
razão mesma de ser do meu destino,
há de ser a palavra derradeira
que há de aflorar-me aos lábios como um hino.
Liberdade: Alavanca de montanhas!
Aureolada de louros ou de espinhos
há de cingir-me a fronte nas campanhas,
há de ferir-me os pés pelos caminhos.
Sinto-a viva em meu sangue palpitando
seja utopia ou seja ideal, - que importa?
Quero viver por esse ideal lutando,
quero morrer se essa utopia é morta !
José Guilherme de Araújo Jorge
Missão
Meus versos terão cumprido a sua missão
se puderem ser pedra e areia
servirem de barricada.
Se puderem ser o hino, quando o desânimo
se levantar como a poeira dos escombros.
Se puderem permanecer no alto, como a bandeira
rasgada e irreconhecível, mas tremulando.
Terão cumprido a sua missão
se na hora em que precisarem deles
não negarem fogo como a boa arma,
se outros puderem ouvi-lo, como o esperanto,
depois da vitória do homem e da vitória do povo.
José Guilherme de Araújo Jorge
O verbo amar
Te amei: era de longe que te olhava
e de longe me olhavas vagamente...
Ah, quanta coisa nesse tempo a gente sente,
que a alma da gente faz escrava.
Te amava: como inquieto adolescente,
tremendo ao te enlaçar, e te enlaçava
adivinhando esse mistério ardente
do mundo, em cada beijo que te dava.
Te amo: e ao te amar assim vou conjugando
os tempos todos desse amor, enquanto
segue a vida, vivendo, e eu, vou te amando...
Te amar: é mais que em verbo é a minha lei,
e é por ti que o repito no meu canto:
te amei, te amava, te amo e te amarei!
(Poema de JG de Araujo Jorge
do livro -Bazar de Ritmos- 1935)
José Guilherme de Araújo Jorge
Não, o Natal não é uma festa alegre,
é uma festa triste.
De repente
as crianças (logo as crianças!)
separam o mundo em duas metades
desiguais:
- de um lado, a abastança, indiferente ou piedosa;
do outro, a necessidade, a mendigar seus restos
como há milênios faz...
As crianças (logo as crianças!)
Algumas com presentes, brinquedos, esperanças,
e as puras alegrias que o bom Velhinho
lhes traz do céu;
outras, sem terem nada, e mesmo tendo pais,
são "órfãos do Natal",
não tem Papai Noel...
Não. Neste mundo como está,
(neste mundo profano
que a um olhar mais humano
não resiste),
o Natal pode ser uma festa,
(quem contesta?)
mas é uma festa triste...
( Poema de J. G. de Araujo Jorge
in " O Poeta Na Praça " - 1981
José Guilherme de Araújo Jorge
Ser mãe
1
Quando todos te condenem
quando ninguém te escutar,
ela te escuta e perdoa,
por ser mãe - é perdoar!
2
Quando todos te abandonem
e ninguém te queira ver,
ela te segue e procura
pois se mãe - é compreender!
3
Quando todos te negarem
um pão, um beijo, um olhar,
ela te ampara e acarinha
por ser mãe - sempre é se dar!
( Poema de JG Araujo Jorge,
in " Cantiga do Só" - 1964 )
José Guilherme de Araújo Jorge
GOSTARIA
Queria compartilhar contigo os momentos mais simples
e sem importância.
Por exemplo:
sair contigo para passear, sentir-te apoiada em meu braço,
ver-te feliz ao meu lado
alheia a todo mundo que passasse.
Gostaria de sair contigo para ouvir música, ir ao cinema,
tomar sorvete, sentar num restaurante
diante do mar,
olhar as coisas, olhar a vida, olhar o mundo
despreocupadamente,
e conversar sobre "nós" – esse "nós" clandestino
que se divide em "tu e eu"
quando chega gente.
Encontrar alguém que perguntasse: "Então, como vão vocês?"
E me chamasse pelo nome, e te chamasse pelo nome
e juntasse assim nossos nomes, naturalmente,
na mesma preocupação.
Gostaria de poder de repente te dizer:
Vamos voltar pra casa...
( Como se felicidade pudesse ser uma coisa
a que tivéssemos direito como toda gente)
Queria partilhar contigo os momentos menores
da minha vida,
porque os grandes já são teus.
(Poema de JG de Araujo Jorge
do livro – A Sós – 1958 )
Doído coração doido.
Foto by Fernando Campanella
PREDILEÇÃO
Amo os gestos estáticos, plasmados
numa atitude lenta de abandono;
certos olhares bêbados de sono
e a poesia dos muros desbotados...
Amo as nuvens longínquas...o reflexo
na água dos foscos lampiões...as pontes...
a sufocação ríspida das fontes
e as palavras poéticas sem nexo.
Mas, sobretudo, eu amo esses instantes
em que, como dois presos foragidos,
os meus olhos se embrenham,distraídos,
na natureza - como dois amantes...
Onestaldo de Pennafort
Onestaldo de Pennafort
PREDILEÇÃO
Amo os gestos estáticos, plasmados
numa atitude lenta de abandono;
certos olhares bêbados de sono
e a poesia dos muros desbotados...
Amo as nuvens longínquas...o reflexo
na água dos foscos lampiões...as pontes...
a sufocação ríspida das fontes
e as palavras poéticas sem nexo.
Mas, sobretudo, eu amo esses instantes
em que, como dois presos foragidos,
os meus olhos se embrenham,distraídos,
na natureza - como dois amantes...
Onestaldo de Pennafort
COMO NASCEM AS MANHÁS
Roseana murray
Atravesso teus olhos
não como quem passa
de uma rua a outra
com flores nos braços
,mas como quem atravessa
uma densa floresta
à noite
apenas o brilho das corujas
como guia
,ou como quem passa
a fronteira a cavalo
com um passaporte falso,
o coração disparado
:você não me detém,
eu mergulho
.Roseana MurrayIn Recados do Corpo e da Alma
Postado por mateus às 08:22 0
Roseana murray
Gosto Quando Falas de Ti...
by Childe Hassam » Flower Girl
GOSTO QUANDO FALAS DE TI...
Gosto quando falas de ti...e vou te percorrendo
e vou descortinando a tua vida
na paisagem sem nuvens, cenário de meus desejos tranqüilos.
Gosto quando me falas de ti... e então percebo
que antes mesmo de chegar, me adivinhavas,
que ninguém te tocou, senão como o vento
que não deixa vestígios, e se vai
desfeito em carícias vãs...
Gosto quando me falas de ti... quando aos poucos a luz
vasculha todos os cantos de sombra, e eu só, te encontro
e te reencontro em teus lábios, apenas pintados,
maduros,
mas nunca mordidos antes da minha audácia.
Gosto quando me falas de ti... e muito mais adiantas
em teus olhos descampados, sem emboscadas,
e acenas tua alma, sem dobras, como um lençol
distendido,
e descortino teu destino, como um caminho certo, cuja
primeira curva
foi o nosso encontro.
Gosto quando me falas de ti ... porque percebo que te desnudas
como uma criança, sem maldade,
e que eu cheguei justamente para acordar tua vida
que se desenrolava inútil como um novêlo
que nos cai da mão...
José Guilherme de Araújo Jorge
A VIAGEM
Não vamos fazer planos, vamos apenas viajar
neste barco que nos recolheu
e cujo rumo não sabemos...
Não vamos fazer planos, vamos olhar as gaivotas,
os crepúsculos sobre o mar,
as ondas, as nuvens, os portos que amanhecerão,
agradecer ao destino que nos fez passageiros
do mesmo sonho.
Não vamos fazer planos, não vamos matar as nossas alegrias
modificando roteiros, se não sou o camandante do navio,
se ninguém é,
não vamos matar as nossas alegrias
com intinerários antecipados
como se fossemos turistas ricos
apenas gastando o seu tédio...
Não vamos fazer planos, vamos nos deixar levar
ao sabor das correntes,
vamos agradecer essa viagem como se fosse a primeira
como se fosse a última viagem,
como se fosse aquela viagem há tanto tempo esperada,
que inacreditavelmente se tornasse
realidade...
E o porto onde chegamos, - qualquer que seja o porto -
ou o horizonte de mar que sempre se afastará,
serão o porto e o horizonte
da felicidade...
INSÖNIA
Madrugada.
Rua vazia.
Uma lua branca de linho
estendida no escuro,
sobre o nada.
Num momento insone,
conversam confidentes
Presente, passado e futuro
Um pensamento corta o espaço
Versejando a esmo.
Escuto passos:
é meu coração abrindo a porta de mim
mesmo.
Flora Figueiredo
In chao de Vento.
Canção Da Pequena Melancolia
senta-se ao pé de mim e passa
sobre meu coração a asa tensa,
como se fosse o meu melhor amigo.
Esse fantasma que chega e me abraça
(asas cobrindo a ferida do flanco)
é todo o amor que resta entre ti e mim
e está comigo.
CANÇÃO EM CAMPO VASTO
que nossas solidões se unam,
e cada um falando em sua margem
possa escutar o próprio canto.
Deixa-me amar-te com loucura, ambos
cavalgando mares impossíveis
em frágeis barcos e insuficientes velas,
pois disso se fará a nossa voz.
Ajuda-me a amar-te sem receio:
a solidão é um campo muito vasto
que não se deve atravessar a sós.