quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Á lágrima


Oh!Lágrima cristalina,
tão salgada e pequenina,
quanta dor tú não redimes!
Mesmo feita de amargura,
és tão sublime, tão pura.
Que só virtudes esprimes.

Ao coração torturado,
pela saldade magoado.
Pelo destino cruel,
Tú és a pérola linda,
do rosário que não finda,
feita de tortura e fel.

Tempo.




Em jovem, era uma uva,
cheia de vida e de graça
com a idade, o sol e a chuva,
a coitada virou passa...

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Lisura


Entras na morte,
como se entra em casa,
desvestindo a carne,
pondo teus chinelos
e pijama velho.



Entras na morte,
como alguém que parte
para uma viagem:
não se sabe o norte
mas começa agora.



Entras na morte,
sem escuros,
sem punhais ocultos
sob o teu orgulho.



Entras na morte,
limpo
de cuidados breves;
como alguém que dorme
na varanda enorme,
entras na morte.

Xi


O pássaro conhece o horizonte.
A redondezda terra.
E a primavera que anunciano canto solitário.
E na espera.
O pássaro não sabeque eu sei,
solitário,atrás da vidraçaestas coisas que ele sabe.
Mas o pássaro sabe de coisas
que nunca sabereiatrás das vidraças.

Roseana Murray


by Gustave Caillebotte » Cliffs by the Sea at Trouville

O livro é a casa
onde se descansa
do mundo.

O livro é a casa
do tempo,
é a casa de tudo.

Mar e rio
no mesmo fio,
água doce e salgada.

O livro é onde
a gente se esconde
em gruta encantada.

Ternura


Eu te peço perdão por te amar de repenteEmbora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidosDas horas que passei à sombra dos teus gestosBebendo em tua boca o perfume dos sorrisosDas noites que vivi acalentadoPela graça indizível dos teus passos eternamente fugindoTrago a doçura dos que aceitam melancolicamente.E posso te dizer que o grande afeto que te deixoNão traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessasNem as misteriosas palavras dos véus da alma...É um sossego, uma unção, um transbordamento de caríciasE só te pede que te repouses quieta, muito quietaE deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar [ extático da aurora

Convite



Vem,

toma um café comigo,

Não é um convite qualquer.

Émais que um sabor.

É um sonho!

Um compartilhar de calor
de tempero,

partilhar de calor,

de olhar.

É um estar juntos,

é um gole de distância. . .

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

José Guilherme de Araújo Jorge



Liberdade

A liberdade é o meu clarim de guerra
e eu sou, no meu viver amplo e sem véus,
como os caminhos soltos pela terra,
como os pássaros livres pelos céus.


Ela é o sol dos caminhos ! Ela é o ar
que os enche os pulmões, é o movimento,
traz num corpo irrequieto como o mar
uma alma errante e boêmia como o vento.


Minha crença, meu Deus, minha bandeira,
razão mesma de ser do meu destino,
há de ser a palavra derradeira
que há de aflorar-me aos lábios como um hino.


Liberdade: Alavanca de montanhas!
Aureolada de louros ou de espinhos
há de cingir-me a fronte nas campanhas,
há de ferir-me os pés pelos caminhos.


Sinto-a viva em meu sangue palpitando
seja utopia ou seja ideal, - que importa?
Quero viver por esse ideal lutando,
quero morrer se essa utopia é morta !


José Guilherme de Araújo Jorge

Missão

Meus versos terão cumprido a sua missão
se puderem ser pedra e areia
servirem de barricada.

Se puderem ser o hino, quando o desânimo
se levantar como a poeira dos escombros.

Se puderem permanecer no alto, como a bandeira
rasgada e irreconhecível, mas tremulando.

Terão cumprido a sua missão
se na hora em que precisarem deles
não negarem fogo como a boa arma,
se outros puderem ouvi-lo, como o esperanto,
depois da vitória do homem e da vitória do povo.


José Guilherme de Araújo Jorge

O verbo amar

Te amei: era de longe que te olhava
e de longe me olhavas vagamente...
Ah, quanta coisa nesse tempo a gente sente,
que a alma da gente faz escrava.

Te amava: como inquieto adolescente,
tremendo ao te enlaçar, e te enlaçava
adivinhando esse mistério ardente
do mundo, em cada beijo que te dava.

Te amo: e ao te amar assim vou conjugando
os tempos todos desse amor, enquanto
segue a vida, vivendo, e eu, vou te amando...

Te amar: é mais que em verbo é a minha lei,
e é por ti que o repito no meu canto:
te amei, te amava, te amo e te amarei!

(Poema de JG de Araujo Jorge
do livro -Bazar de Ritmos- 1935)


José Guilherme de Araújo Jorge

A festa triste...
Não, o Natal não é uma festa alegre,
é uma festa triste.

De repente
as crianças (logo as crianças!)
separam o mundo em duas metades
desiguais:
- de um lado, a abastança, indiferente ou piedosa;
do outro, a necessidade, a mendigar seus restos
como há milênios faz...

As crianças (logo as crianças!)
Algumas com presentes, brinquedos, esperanças,
e as puras alegrias que o bom Velhinho
lhes traz do céu;
outras, sem terem nada, e mesmo tendo pais,
são "órfãos do Natal",
não tem Papai Noel...

Não. Neste mundo como está,
(neste mundo profano
que a um olhar mais humano
não resiste),
o Natal pode ser uma festa,
(quem contesta?)
mas é uma festa triste...


( Poema de J. G. de Araujo Jorge
in " O Poeta Na Praça " - 1981


José Guilherme de Araújo Jorge


Ser mãe

1
Quando todos te condenem
quando ninguém te escutar,
ela te escuta e perdoa,
por ser mãe - é perdoar!

2
Quando todos te abandonem
e ninguém te queira ver,
ela te segue e procura
pois se mãe - é compreender!

3
Quando todos te negarem
um pão, um beijo, um olhar,
ela te ampara e acarinha
por ser mãe - sempre é se dar!


( Poema de JG Araujo Jorge,
in " Cantiga do Só" - 1964 )

José Guilherme de Araújo Jorge


GOSTARIA
Queria compartilhar contigo os momentos mais simples
e sem importância.
Por exemplo:
sair contigo para passear, sentir-te apoiada em meu braço,
ver-te feliz ao meu lado
alheia a todo mundo que passasse.

Gostaria de sair contigo para ouvir música, ir ao cinema,
tomar sorvete, sentar num restaurante
diante do mar,
olhar as coisas, olhar a vida, olhar o mundo
despreocupadamente,
e conversar sobre "nós" – esse "nós" clandestino
que se divide em "tu e eu"
quando chega gente.

Encontrar alguém que perguntasse: "Então, como vão vocês?"
E me chamasse pelo nome, e te chamasse pelo nome
e juntasse assim nossos nomes, naturalmente,
na mesma preocupação.

Gostaria de poder de repente te dizer:
Vamos voltar pra casa...
( Como se felicidade pudesse ser uma coisa
a que tivéssemos direito como toda gente)
Queria partilhar contigo os momentos menores
da minha vida,
porque os grandes já são teus.

(Poema de JG de Araujo Jorge
do livro – A Sós – 1958 )

Doído coração doido.


Estive entre mim
e entre mim.

Naufrágios.
Difíceis rimas.
Remos de quebranto.

Ninguém sabe que é.
O que se sabe não se diz.
O que se diz não se vê.

Doido coração.Doído.
Estoura,estala.
Estigma.

Foto by Fernando Campanella

PREDILEÇÃO

Amo os gestos estáticos, plasmados
numa atitude lenta de abandono;
certos olhares bêbados de sono
e a poesia dos muros desbotados...

Amo as nuvens longínquas...o reflexo
na água dos foscos lampiões...as pontes...
a sufocação ríspida das fontes
e as palavras poéticas sem nexo.

Mas, sobretudo, eu amo esses instantes
em que, como dois presos foragidos,
os meus olhos se embrenham,distraídos,
na natureza - como dois amantes...

Onestaldo de Pennafort

Onestaldo de Pennafort


Foto by Fernando Campanella

PREDILEÇÃO

Amo os gestos estáticos, plasmados
numa atitude lenta de abandono;
certos olhares bêbados de sono
e a poesia dos muros desbotados...

Amo as nuvens longínquas...o reflexo
na água dos foscos lampiões...as pontes...
a sufocação ríspida das fontes
e as palavras poéticas sem nexo.

Mas, sobretudo, eu amo esses instantes
em que, como dois presos foragidos,
os meus olhos se embrenham,distraídos,
na natureza - como dois amantes...

Onestaldo de Pennafort

COMO NASCEM AS MANHÁS

O fundo dos olhos da noite
guarda silêncios.
Esconde na retina
a menina que corre descalça em campo
aberto.
Pálpebras cerradas, a noite emudece.
A menina com medo
faz um furo no escuro com a ponta do dedo.
Cai um pingo de luz.
Amanhece.

Roseana murray

TRAVESSIA

Atravesso teus olhos
não como quem passa
de uma rua a outra
com flores nos braços
,mas como quem atravessa
uma densa floresta
à noite
apenas o brilho das corujas
como guia
,ou como quem passa
a fronteira a cavalo
com um passaporte falso,
o coração disparado
:você não me detém,
eu mergulho

.Roseana MurrayIn Recados do Corpo e da Alma
Postado por mateus às 08:22 0

Roseana murray


Foto de gim2468

ABRAÇO

Entrelaçar os braços,
misturar com as tuas
as minhas linhas da mão,
ouvir a música ardente
dos teus anseios,
encostar nossas almas,
nossos olhos, costurar
nossas esperanças,
com o mesmo fio,
dividir os sonhos.

Roseana murray

Gosto Quando Falas de Ti...


by Childe Hassam » Flower Girl

GOSTO QUANDO FALAS DE TI...

Gosto quando falas de ti...e vou te percorrendo
e vou descortinando a tua vida
na paisagem sem nuvens, cenário de meus desejos tranqüilos.

Gosto quando me falas de ti... e então percebo
que antes mesmo de chegar, me adivinhavas,
que ninguém te tocou, senão como o vento
que não deixa vestígios, e se vai
desfeito em carícias vãs...

Gosto quando me falas de ti... quando aos poucos a luz
vasculha todos os cantos de sombra, e eu só, te encontro
e te reencontro em teus lábios, apenas pintados,
maduros,
mas nunca mordidos antes da minha audácia.

Gosto quando me falas de ti... e muito mais adiantas
em teus olhos descampados, sem emboscadas,
e acenas tua alma, sem dobras, como um lençol
distendido,
e descortino teu destino, como um caminho certo, cuja
primeira curva
foi o nosso encontro.

Gosto quando me falas de ti ... porque percebo que te desnudas
como uma criança, sem maldade,
e que eu cheguei justamente para acordar tua vida
que se desenrolava inútil como um novêlo
que nos cai da mão...

José Guilherme de Araújo Jorge


by Childe Hassam » The White Dory, Gloucester

A VIAGEM

Não vamos fazer planos, vamos apenas viajar
neste barco que nos recolheu
e cujo rumo não sabemos...

Não vamos fazer planos, vamos olhar as gaivotas,
os crepúsculos sobre o mar,
as ondas, as nuvens, os portos que amanhecerão,
agradecer ao destino que nos fez passageiros
do mesmo sonho.

Não vamos fazer planos, não vamos matar as nossas alegrias
modificando roteiros, se não sou o camandante do navio,
se ninguém é,
não vamos matar as nossas alegrias
com intinerários antecipados
como se fossemos turistas ricos
apenas gastando o seu tédio...

Não vamos fazer planos, vamos nos deixar levar
ao sabor das correntes,
vamos agradecer essa viagem como se fosse a primeira
como se fosse a última viagem,
como se fosse aquela viagem há tanto tempo esperada,
que inacreditavelmente se tornasse
realidade...

E o porto onde chegamos, - qualquer que seja o porto -
ou o horizonte de mar que sempre se afastará,
serão o porto e o horizonte
da felicidade...

INSÖNIA

Silêncio.
Madrugada.
Rua vazia.
Uma lua branca de linho
estendida no escuro,
sobre o nada.
Num momento insone,
conversam confidentes
Presente, passado e futuro
Um pensamento corta o espaço
Versejando a esmo.
Escuto passos:
é meu coração abrindo a porta de mim
mesmo.

Flora Figueiredo
In chao de Vento.

Canção Da Pequena Melancolia

Um anjo vem todas as noites:
senta-se ao pé de mim e passa
sobre meu coração a asa tensa,
como se fosse o meu melhor amigo.

Esse fantasma que chega e me abraça
(asas cobrindo a ferida do flanco)
é todo o amor que resta entre ti e mim
e está comigo.

CANÇÃO EM CAMPO VASTO

Deixa-me amar-te com ternura, tanto
que nossas solidões se unam,
e cada um falando em sua margem
possa escutar o próprio canto.

Deixa-me amar-te com loucura, ambos
cavalgando mares impossíveis
em frágeis barcos e insuficientes velas,
pois disso se fará a nossa voz.

Ajuda-me a amar-te sem receio:
a solidão é um campo muito vasto
que não se deve atravessar a sós.